Casamento Civil Homoafetivo – a controvérsia judicial

Após a histórica decisão do STF no julgamento da ADPF n.º 132 e da ADIn n.º 4277, que reconheceu como entidade familiar a união conjugal formada por duas pessoas do mesmo sexo (a união homoafetiva), instaurou-se uma controvérsia jurídica sobre a possibilidade de conversão da mesma em casamento civil. Em 31/05/11, elaborei o parecer que consta deste blog, defendendo a possibilidade desta conversão, ante a lógica da decisão do Supremo Tribunal Federal.

Nesta postagem apenas destaco minha perplexidade com alguns argumentos utilizados por juízes que têm negado o casamento civil homoafetivo após a decisão do STF. O argumento que eu já esperava é o mais simplório: “o STF decidiu sobre união estável, não sobre casamento civil”, contudo, essa linha argumentativa deixa claro que não entende (ou não concorda) com a argumentação desenvolvida pelo STF, pois tendo ele reconhecido a união homoafetiva como família conjugal e sendo a família conjugal o objeto de proteção dos regimes jurídicos do casamento civil e da união estável, então a união homoafetiva faz jus também ao casamento civil, por identidade de razões, na medida em que também não existe proibição legal a impedir o uso de interpretação extensiva ou analogia para reconhecer a possibilidade jurídica do casamento civil homoafetivo (a primeira caso se reconheça que as situações são idênticas, ante a irrelevância de a união ser formada por duas pessoas do mesmo sexo ou de sexos diversos, e a segunda para o caso de se afirmar de, apesar de alguma diferença, que seriam idênticas naquilo que é essencial).

Por outro lado, o que me surpreende é a alegação de que não poderia o juiz alargar previsão legal a situação não-prevista pelo texto da norma. Ora, isso é exatamente o que a analogia faz! A analogia é uma técnica interpretativa que, na ausência de proibição leal, permite a extensão do regime jurídico de uma situação expressamente citada pelo texto da norma a outra situação por ela não-citada quando, apesar de alguma diferença entre elas, elas sejam idênticas naquilo que seja essencial – e o essencial tanto do casamento civil quanto da união estável é termos uma família conjugal, a qual o STF afirmou existir na união homoafetiva da mesma forma que aquela existente na união heteroafetiva.

Outra linha de argumentação que tem sido utilizada para negar o direito de casais homoafetivos ao casamento civil é o de que o reconhecimento da união homoafetiva como união estável já garantiria os direitos e a dignidade devidas aos casais formados por duas pessoas do mesmo sexo, não sendo necessário o acesso ao casamento civil para tanto. Afirma-se, ainda, que isso não implicaria hierarquizar entidades familiares, por esta hierarquização estar expressamente vedada na argumentação da decisão do STF. Contudo, os argumentos também não se sustentam. Primeiro, a união estável confere menos direitos que o casamento civil segundo a redação originária do Código Civil de 2002, ainda vigente (na sucessão, o cônjuge herda mais que o herdeiro, donde ainda há discriminação jurídica sobre o tema, a despeito da controvérsia sobre a inconstitucionalidade dessa diferenciação, que em breve será julgada pelo STJ). Mas, ainda que assim não fosse, o casamento civil dá maiores facilidades para o casal na medida em que basta a ele apresentar sua certidão de casamento para provar que forma uma família conjugal, ao passo que para a prova da união estável o casal precisa de uma declaração notarial de um cartório e uma série de outros documentos (comprovantes de residência conjunta, de que um é beneficiário de seguro de vida/plano de saúde do outro etc), o que demonstra que a vida de um casal casado é mais fácil, em termos burocráticos, que a vida de um casal em união estável. Logo, a questão da isonomia não se encontra totalmente satisfeita sem o reconhecimento do direito de casais homoafetivos ao casamento civil.

Sobre a questão da hierarquização de entidades familiares, ela efetivamente existe quando se nega a casais homoafetivos o direito ao casamento civil. Com efeito, o inconsciente coletivo social ainda coloca o casamento civil como o ápice da dignidade de uma família conjugal. Todos crescem sendo incentivados expressa e implicitamente a eventualmente se casar com outra pessoa, donde há pessoas que efetivamente só serão felizes se puderem se casar. Nesse sentido, a Suprema Corte de Ontário/Canadá afirmou que negar a casais homoafetivos o acesso ao casamento civil significa passar-lhes a “sinistra mensagem” de que não seriam dignos o bastante para poderem se casar. Logo, não permitir o casamento civil homoafetivo efetivamente menospreza a união homoafetiva relativamente à união heteroafetiva, hierarquizando esta sobre aquela para dizer que somente esta seria “merecedora” do casamento civil, donde equivocada/descabida argumentação em sentido contrário.

Felizmente temos já algumas decisões reconhecendo o direito de casais homoafetivos ao casamento civil, que podem ser encontradas no site www.direitohomoafetivo.com.br (links: jurisprudência/casamento). Como tenho dito desde a decisão do STF, vencida a luta (judicial) pela união estável homoafetiva, agora começou a luta (judicial) pelo direito ao casamento civil homoafetivo: cabe agora demonstrar a juízes e tribunais que não há sentido jurídico na negação do casamento civil a homoafetivo quando já reconhecido o direito à união estável homoafetiva. De minha parte, farei todo o possível para tanto.

2 Responses to Casamento Civil Homoafetivo – a controvérsia judicial

  1. Roberto Marinho Guimarães disse:

    Paulo,

    Mais uma vez, deparo com uma argumentação irretocável. O reconhecimento e a afirmação dos direitos homoafetivos é tardia e só contribui para o fomento da intolerância e do preconceito.
    Sou mais velho e fui educado nos tempos do casamento/instituição, mas, nem por isso, me tornei refém de dogmas. Aprendi, vivendo, a conviver com as mudanças, com as diferenças, que, estou seguro, merecem proteção legal sem restrições, como você propõe.
    No segundo semestre de outubro estarei participando de uma semana de debates e me coube falar sobre gênero. Imagine a minha dificuldade, não por mim, mas pela reação estereotipada da garotada.
    Tenho me impressionado muito com o preconceito desses meninos! O desafio será interessante e isso me motiva, ainda mais, tendo suas lições como substrato.
    Parabéns, Doutor!
    Grande abraço,

    Roberto Marinho Guimarães

  2. ¡Buenas noches!.Me gustaría dar un enorme aprobado por valiosa información que tenemos aquí en este blog . Voy a volver muy pronto a disfrutar con esta web.

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